Corpo habilidoso e corpo exposto

As artes cênicas trazem entre si o elemento comum da presença e expressão pelo corpo do artista. Muitas vezes as linguagens artísticas destacam a habilidade dos corpos para se expressarem. No Circo esse acento é bastante significativo, uma vez que a maior parte de suas expressões vêm da demonstração de habilidades.
A linguagem circense sempre misturou as habilidades com a exibição de corpos. De um lado, corpos habilidosos, fortes, referência de padrões e, de outro, corpos para exibição, sejam por se apresentarem como mais atrativos e, portanto, sensualizados, como sejam para corpos considerados fora de padrão, exibindo pessoas deficientes como atração pela curiosidade mórbida.
Uma forte contradição percorre a vida das artes circenses, ao trabalhar corpos habilidosos e corpos expostos, que abrem espaço para muitas polêmicas. Algo também vivido por outras artes, mas que no Circo se intensifica por ele se caracterizar pelo nomadismo, por ter trupes compostas por famílias, pela reunião de pessoas de diferentes nacionalidades. Portanto, alvo fácil de toda sorte de preconceitos.
Em seu mundo próprio, os circenses também vivem com visões apegadas à tradições igualmente preconceituosas. Em especial, com quem é de fora do Circo, na tentativa de preservação do mesmo núcleo social e pela manutenção dos mesmos valores.
A vida do artista circense itinerante é marcada por ser a vida de quem é permanentemente, em qualquer local, um estrangeiro. Seu lar é também um local público. Seu trabalho é, normalmente, junto com sua família. Ou seja, não existe uma delimitação clara entre a vida privada e a pública. O modo de vida sugere uma imensa aventura ao mesmo tempo em que está presa a tradições rígidas.
O moralismo, ao longo da História, alimentou preconceitos em relação aos Circos e aos circenses, considerados muitas vezes como forasteiros, desqualificando artistas, destratando as mulheres circenses, vistas como prostitutas e os homens circenses como conquistadores capazes de roubar as mulheres locais. A raiz patriarcal, machista, demonstra como as sociedades guiadas pelo moralismo excluem o diferente, praticam o ódio em nome da pretensa defesa da família.
O Circo é somente um pequeno recorte dessas mazelas sociais, que ganham visibilidade pela força de sua expressão e que não são, de nenhuma maneira, exclusividade dos circenses.

O Corpo fora dos padrões

Mais comum nos Circos norte-americanos, sempre esteve presente no imaginário do Circo a exibição de figuras humanas consideradas exóticas ou com o triste nome de “aberrações”. São corpos que não se encaixam num suposto padrão, ou que sofrem de alguma deficiência, que eram explorados pela curiosidade que geravam.
Conhecido como pelo nome genérico em inglês freak, tratava-se mais da exposição desses corpos do que pela demonstração de habilidades deles. Raros números eram encenados com essas pessoas, que eram colocadas para visitação do público, como um zoológico humano. Acrescidos de uma boa dose de fantasia, muitas vezes macabra, no intuito de assustar o espectador oferecendo a sensação de risco.
Entre eles, estão corpos divergentes reais como: homem forte; mulher forte; pessoa muito magra e alta; a mulher barbada; anões e corcundas; gêmeos siameses ou xifópagos (dois corpos que nascem ligados um ao outro); homem elefante (pessoa com a incurável doença elefantíase, a filariose linfática), entre outros.

No período das expedições marítimas colonizadoras dos séculos XV e XVI, outra cruel exploração daquilo que era considerado exótico pelos europeus eram as outras etnias, tratando povos africanos e indianos, pessoas pretas de origem tribal, escravizadas e apresentadas como animais, muitas vezes, colocados em jaulas

Além de uma variedade de corpos criados em pela fantasia como: homem ou mulher cobra (cobertos por escamas); seres voadores, homens e mulheres com asas; sereias e pessoas com muitas tatuagens pelo corpo apresentadas como aventureiros que foram marcados pelo que viveram. Uma infinidade de possibilidades de exibição que povoaram a imaginação do público ao longo da história do Circo e que fazem parte da narrativa de outras expressões artísticas como a literatura e o cinema.

Vale destacar que o nanismo, deficiência física com muitas variantes, tem forte presença no Circo. Os anões atuam como palhaços e acrobatas tendo significativa importância ao longo da história circense.