Apresentando Exposição Mundo Circo

Sobre brincar e sonhar
O menino aperta as duas varetas e se concentra no boneco dando voltas e cambalhotas. Com jeito, o menino consegue que o boneco fique de ponta cabeça. “Plantou uma bananeira!” comemora em seus pensamentos. E solta as mãos para ver o boneco voltar a ficar pendurado nos barbantes. Refaz tudo algumas vezes, fazendo várias posições. E sonha em ser o boneco. Sonha em voar enquanto sua imaginação já voa livremente.
Fui esse menino. E hoje, sessenta anos redondos, com boas palhaçadas vividas, me convidam para brincar. Descubro que ainda sou o menino, que nunca deixei de ser esse mesmo menino.
Ano passado, me chamaram para uma reunião sobre um projeto de Circo. Era com o amigo Zé Mauro, diretor de arte e cultura da Amigos da Arte e sua diretora geral, Danielle Nigromonte. Não fui vestido de Palhaço, fui com roupas adultas, fingindo ser bem sério. E aí tombei de cara do chão quando vi que era um ótimo bate-papo sobre a vida, a arte e tudo que envolvia uma pandemia que parecia não acabar. Aliás, duas pandemias, a de Covid e a do elogio à ignorância que maldosamente vinha criminalizando as artes.
Sonhei um sonho antigo, repetido, que vi muitas vezes ser frustrado de nunca conseguirmos ter um espaço nobre para os Circos na nossa cidade. Tantas tentativas que até cansa enumerar. No Parque do Povo, no Belenzinho, na Pompéia, ao lado do Sambódromo, atrás do estádio da Portuguesa e no histórico Largo do Paissandu, só para dar a lista mais recente. Esforços gigantes, muitas reuniões sérias e nenhuma vez chegamos lá.
Como a reunião não tinha sido realizada e, sim, bate-papo empolgante com o Zé e a Dani, tive uma estranha fé de que daria certo. Mas, foi muito duro quando tive que decidir que naquele momento eu não poderia estar junto nessa, já que a vida adulta me chamava em forma de compromissos e boletos que eu não tinha como, mesmo querendo tanto.
O amor vivido com a também criançona Camila me jogou pra cima, sonhamos nossos outros projetos e seguimos a vida, o trabalho e a família, sempre esperançosos.
Passou cerca de um ano e me chamam para outra conversa. Fui lá palpitar sobre o projeto que foi desenvolvido por outro amigo, o Borô. Em boas mãos, fiquei feliz com o que vi e mais ainda por me chamarem para estar junto de alguma maneira. Uma consultoria? Que coisa mais adulta!
Era inacreditável o que iria acontecer. E o Sérgio, Secretário de Estado de Cultura e Economia Criativa, com sua caneta e mesa de adulto, garantia adultamente que sim, escondendo seu sorriso de moleque aprontando.
Um sabadão estou brincando com Leon, meu filho de 3 anos, quando recebo um whats da Dani: “Topa fazer a curadoria da exposição?” Pensei: “De onde ela tirou isso?”. Topei na hora.
De cara, me disseram para fazer a exposição junto com um amigão com quem sempre quis brincar para valer, o Zé Carratu. Foi aquela alegria de crianções!
E vieram todas várias outras crianças: Kiko, Karina, Marquinhos, Pardal, Lu, Val, Du, Silvinho, Boneco, Nathália, Priscila, Calu, Samara, Werner, Fernanda, Loro, Jésus, Deivison, Maurízio e mais e mais e mais que vieram com a mesma excitante alegria de reunir a turma para ir a um Parque de Diversões.
Turma grande, e que só cresceu, lá num parque mesmo, o da Juventude, onde já tinha sido o maior presídio da cidade. Meu peito adulto chacoalhou quando entendi isso. O lugar onde muita gente sofreu, e morreu, ganhava o presente de ser um lugar de brincadeiras. Outros sonhos, outras esperanças.
Brincando de bonecas e jogos e casinhas, todos sabíamos que estávamos fazendo tudo, com alma de crianças e muito esforço adulto, para entregar esse tudo com carinho a quem mais interessa, o público. Crianças e adultos que, brincando, poderão entender melhor como vivem os que entregaram suas vidas à livre aventura do Circo.
Da varanda dos meus olhos, quando vejo a alegria do Leon brincando com meu neto Milo, tenho a vontade imensa de que o mundo inteiro viva a mesma gigante felicidade. Nem que seja por alguns segundos, já que a vida adulta nem sempre é tão bacana.
E agora, vendo as pessoas dentro de nosso pequeno mundo, sob o céu de uma lona estrelada, percebo como é imenso o mundo do Circo. E consigo também olhar para dentro. Sou aquele menino com brinquedo na mão, sonhando sonhos que felizmente não serão só meus.

Hugo Possolo
Curadoria, concepção, desenhos e textos